terça-feira, 13 de abril de 2010

Crime em Barcelona


Texto e foto: Manolo

O tempo parece perdido. As ruelas deixaram-se ficar por ali. Pararam.O bairro La Ribera esconde-se no tempo. E as ruas, umas por detrás das outras, protegem-se e acariciam-se nos «rendez-vous» dos estreitos cruzamentos sombrios, misteriosos mas românticos. Na Carrer de Sant Francesc de Paula, o Palau de la Música Catalana ergue-se como uma catedral, Lluís Domènech i Montaner, o seu arquitecto, assim o idealizou: uma catedral para os amantes da música. O Palau hipnotiza o visitante e prende-o como devoto a contemplar o céu.

Sergi aproveita as réstias de sol de fim de tarde, feixes ténues de luz que se esquivam entre os telhados, autorizados pelo Palau para dois dedos de conversa com os seus botões, à volta de um carpaccio de salmão com molho de lima, no El Bitxo, na Verdaguer i callis, uma ruela que se subjuga com orgulho ao Palau.

Sergi é um jovem e promissor repórter, ambicioso, sempre à procura das notícias, compensando a verdura dos anos com a irreverência e a avidez com que as procura. Recruta os seus informadores no «bas-fond», na policia, nas hospedarias, nas «casas de passe», nos circuitos da droga, no submundo da vida. Solitário, o seu jovem aspecto é afectado por algumas fragilidades narcísicas, como uma acne acentuada.

Bebe o último trago de vinho quando o telemóvel toca e ouve do outro lado:« um tipo apareceu aqui na esquadra e confessou ter assassinado a mulher na Carrel del Pi, num prédio junto à tasca «La Pineda», o inspector Mejias já foi destacado para lá, saludos chico». Apressou-se a pagar e saiu em direcção ao local do crime.

«Os abutres farejam a carne podre à distância», foi desta forma, e com um sorriso tipicamente chinês, que o inspector Mejias o cumprimentou.
- Boa tarde também para si, inspector. Confirma-se o crime? Perguntou-lhe Sergi, indiferente ao comentário.
- Quatro facadas no peito meu caro amigo, quatro. Respondeu-lhe o inspector.
- Crime passional, portanto. O motivo qual foi? Ciumes? Uma traiçãozita?
- O que é que lhe parece? Retorquiu-lhe o inspector.
- O que é que o homem faz?
- É sexólogo.
- Sexólogo? E matou a mulher? Perguntou Sergi, muito admirado, enquanto rabiscava umas notas no Moleskine.
- Bom furo, hein? Não é todos os dias que um sexólogo mata a mulher, está com sorte. Já estou a ver o titulo do seu artigo: «Sexólogo assassina mulher por ciumes», ironiza o inspector.

O ciúme é o rastilho em 57% das agressões entre os casais, de acordo com uma pesquisa realizada por universitários de 40 países, começa por explicar Sergi. Enquanto o ouve, Mejias, sem desvanecer o sorriso, acende um cigarro. E Sergi continua: Na perspectiva psicanalítica de Freud, a explicação para os assassinatos pode dever-se às forças inconscientes que motivam o comportamento humano. Freud, baseado na sua experiência clínica, acreditava que a fonte de perturbações emocionais residia nas experiências traumáticas reprimidas nos primeiros anos de vida. Ele acreditava que a personalidade se forma nos primeiros anos de vida, quando as crianças lidam com os conflitos entre os impulsos biológicos congénitos ligados aos estimulos e às exigências da sociedade. Talvez o assassino seja vítima do complexo de Édipo...
Alguém afirmou que «todos nós somos ciumentos em maior ou menor grau. A diferença está em como cada um encara este sentimento», rematou Sergi.
Muito interessante, ripostou o inspector Mejias, encaminhando-se para a pequena multidão de vizinhos, comerciantes e transeuntes curiosos que se juntaram à porta do prédio.
Sergi começou a indagar os vizinhos.« Não quero acreditar que o sr. Josep tenha assassinado a mulher, parecia ser um homem tão calmo», dizia a vizinha do 4º andar; a do 2º, por sua vez, assegurava que as discussões eram constantes:« ouvia-o a gritar muito alto, pobre senhora»;« eu não conhecia a senhora, nunca a vi, devia sofrer bastante, era sempre ele que fazia as compras», esclarecia a mulher de um comerciante; a viuva do andar do lado não conhecia a vítima, mas afirmava convictamente:« o homem era doido, várias vezes me assediou, acho que era professor de sexo...». Sergi sorria e tomava nota de tudo.« Meu querido, tens um sorriso muito bonito mas deves tratar dessa cara, faz uma máscara de leite e arroz cozido...», dava-lhe de conselho uma septuagenária. Outra, contrapunha:« o melhor é feijão pelado com leite de amêndoas, foi uma médica que mo disse». « Água oxigenada é que é, desinfecta tudo», rispotava com autoridade um policia.
Sergi agradeceu os conselhos e afastou-se.

- É estranho, ninguém conhecia a vítima. Ela é loira ou morena? Perguntou a Mejias.
- Isso é relevante? Perguntou o inspector.
- Não, não...posso ver o corpo?
- No 1º andar, meu caro.
Sergi entrou no apartamente, apreensivo, Mejias seguia-o.
- À esquerda, nessa sala à esquerda, orientava o inspector.
Sergi entrou. Fixou o corpo durante alguns segundos, deixando-se cair de seguida num pequeno sofá de tecido, estarrecido, tolhido por uma mistura de sobressalto e de perturbação; ficou pasmado perante o olhar imutável da «boneca de silicone», morena, olhos verdes de vidro, lingerie branca, ali no chão, golpeada sem apelo nem agravo no peito, onde sobressaiam partes do esqueleto em aluminio.
O inspector Mejias, de pé, encostado à ombreira da porta,com o seu sorriso tipicamente chinês,perguntou a Sergi que continuava imobilizado.
- No tempo do «seu» Freud já havia material deste?