texto e fotos: Manolo
O senhor Fernando não queria
acreditar, mas foi o chefe da polícia que o aconselhou a chamar o feiticeiro.
«Ele tem poderes que mais ninguém tem». Palavra de autoridade!
O proprietário da Pousada do
Saltinho estava perplexo: « o que é que eu vou fazer agora?», dizia numa
expressão meio de lamento meio de incredulidade. «Desapareceu uma máquina de
cortar azulejos, chamo a polícia e dizem-me para procurar o feiticeiro, ora
esta!»
- Oh Xô Fernando, chame lá o
homem, vá.
- Tá a brincar comigo? Você
tem cada uma...que nem lembrava ao diabo.
-Chame-o lá, talvez o homem
acerte. E se ele descobrir o que aconteceu à máquina...,afinal, não é isso que
você quer?
O Sr. Fernando bebeu o
último gole da Cergal, ajustou os calções à cintura, num gesto militar, sem deixar de olhar fixamente para a antiga ponte Craveiro Lopes que
liga as duas margens do rio Curoval, suspirou, e, em seguida, com o semblante
carregado, ordenou que fossem à tabanca (aldeia) chamar o feiticeiro.
Na Guiné-Bissau existem muitas crenças relacionadas com bruxaria e com outros mitos. Acredita-se, por exemplo, nos homens-lagarto e nos homens-lobo, os primeiros que se transformam em lagartos quando entram dentro de água, os segundos em lobos, de noite, para «fazerem mal às pessoas».
Os feiticeiros têm muito
poder, são curandeiros e, na maioria dos casos, visionários.
O entardecer despontava
triste no Saltinho, não era para menos, suspeitava-se de alguém. A máquina de
cortar os azulejos tinha desaparecido, os trabalhadores das obras e os
serviçais da pousada, preocupados e nervosos, andavam de um lado para o outro.
Os macacos alvoraçados «não eram um bom presságio», enquanto os lagartos, às
centenas, pareciam disputar entre si qual deles batia o recorde das flexões.
Do outro lado da estrada agigantava-se uma queimada, de onde surgiu o
feiticeiro. Depois de uma troca de palavras em crioulo, só percebi o policia
dizer: «é um problema».
O feiticeiro é um homem de estatura média, sisudo, carapinha branca,
veste uma túnica preta até aos pés descalços e trás na mão uma saca de pano,
que se agita como um fantasma, como se tivesse un duende lá dentro.
Manda reunir todos os
trabalhadores que se posicionam ao seu redor, formando uma meia-lua. Tira da
saca um galinha preta e o que parece ser uma máscara e, ao meu lado, o chefe da
polícia sussurra-me: «só ele é que tem esta máscara, foi um espírito que lha
enviou».
O feiticeiro pede que matem a galinha preta. No meio daquele silêncio
«ensurdecedor», ouve-se com clareza o som do corte fatal e completo no pescoço
da pobre ave. O sangue espicha, recuo rapidamente e só me apercebo de que o
feiticeiro já tem a máscara quando leva as mãos ensanguentadas junto à cara,
como se fosse um espelho e diz: «já sei quem roubou o apetrecho».
Reconheço a máscara, que impressiona pelo seu intenso cromatismo.
Pertence aos Woyo, uma tribo que vive na África Ocidental, junto ao estuário do
rio Zaire, no Congo e em Cabinda.
No século XV o seu primitivo reino era
conhecido por Ngoyo. As máscaras deste povo são de madeira, pintadas de cores
intensas, por vezes sobre um fundo branco, outras vezes decoradas com objectos
sagrados -nkissi -, e têm significados simbólicos; são máscaras rituais por
vezes usadas nos cerimoniais Ndunga. Esta máscara, oriunda de artesãos
angolanos de Cabinda, têm um aspecto pouco pacífico, mostra uma boca com dentes
pequenos e afiados, resultantes do costume dos Woyo e do Congo limarem os dentes.
O seu expressionismo convida-nos a nela ver-mos tudo.
A que faz parte da minha colecção foi-me oferecida por Konstatin Komkov,
amigo e credenciado jornalista russo de todo-o-terreno, que viveu cerca de dois
anos em Angola.
Entretanto, o feiticeiro manda abrir um buraco na terra para enterrar a
galinha e, ao lado, uma cova para enterrar vivo - sim, disse vivo -, o culpado,
se entretanto não se acusar antes dos «coveiros» terminarem o trabalho.
Um silêncio tenebroso apodera-se dos presentes e só se ouve o som das
enxadas a castigar a terra, a castigar a alma. De repente, um moço dá um passo
em frente e acusa-se: «foi eu patrão».
O chefe da policia cochicha-me ao
ouvido: «a máscara é poderosa, tem o poder dos espíritos, eu não lhe disse».
Mais tarde aproximo-me do feiticeiro, apresento-me, gabo-lhe a eficácia
da sua psicologia e, com muito cuidado e sem querer ferir sugestibilidades,
pergunto-lhe de onde provêm a sua máscara.
«A máscara? Comprei na internet,
quer uma? quer o site?».