sábado, 12 de maio de 2012

A Máscara




texto e fotos: Manolo

O senhor Fernando não queria acreditar, mas foi o chefe da polícia que o aconselhou a chamar o feiticeiro. «Ele tem poderes que mais ninguém tem». Palavra de autoridade!

O proprietário da Pousada do Saltinho estava perplexo: « o que é que eu vou fazer agora?», dizia numa expressão meio de lamento meio de incredulidade. «Desapareceu uma máquina de cortar azulejos, chamo a polícia e dizem-me para procurar o feiticeiro, ora esta!»

- Oh Xô Fernando, chame lá o homem, vá.
- Tá a brincar comigo? Você tem cada uma...que nem lembrava ao diabo.
-Chame-o lá, talvez o homem acerte. E se ele descobrir o que aconteceu à máquina...,afinal, não é isso que você quer?


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O Sr. Fernando bebeu o último gole da Cergal, ajustou os calções à cintura, num gesto militar, sem deixar de olhar fixamente para a antiga ponte Craveiro Lopes que liga as duas margens do rio Curoval, suspirou, e, em seguida, com o semblante carregado, ordenou que fossem à tabanca (aldeia) chamar o feiticeiro.


Na Guiné-Bissau existem muitas crenças relacionadas com bruxaria e com outros mitos. Acredita-se, por exemplo, nos homens-lagarto e nos homens-lobo, os primeiros que se transformam em lagartos quando entram dentro de água, os segundos em lobos, de noite, para «fazerem mal às pessoas».
Os feiticeiros têm muito poder, são curandeiros e, na maioria dos casos, visionários.

O entardecer despontava triste no Saltinho, não era para menos, suspeitava-se de alguém. A máquina de cortar os azulejos tinha desaparecido, os trabalhadores das obras e os serviçais da pousada, preocupados e nervosos, andavam de um lado para o outro. Os macacos alvoraçados «não eram um bom presságio», enquanto os lagartos, às centenas, pareciam disputar entre si qual deles batia o recorde das flexões.



Do outro lado da estrada agigantava-se uma queimada, de onde surgiu o feiticeiro. Depois de uma troca de palavras em crioulo, só percebi o policia dizer: «é um problema».

O feiticeiro é um homem de estatura média, sisudo, carapinha branca, veste uma túnica preta até aos pés descalços e trás na mão uma saca de pano, que se agita como um fantasma, como se tivesse un duende lá dentro.
 Manda reunir todos os trabalhadores que se posicionam ao seu redor, formando uma meia-lua. Tira da saca um galinha preta e o que parece ser uma máscara e, ao meu lado, o chefe da polícia sussurra-me: «só ele é que tem esta máscara, foi um espírito que lha enviou».


O feiticeiro pede que matem a galinha preta. No meio daquele silêncio «ensurdecedor», ouve-se com clareza o som do corte fatal e completo no pescoço da pobre ave. O sangue espicha, recuo rapidamente e só me apercebo de que o feiticeiro já tem a máscara quando leva as mãos ensanguentadas junto à cara, como se fosse um espelho e diz: «já sei quem roubou o apetrecho».


Reconheço a máscara, que impressiona pelo seu intenso cromatismo. Pertence aos Woyo, uma tribo que vive na África Ocidental, junto ao estuário do rio Zaire, no Congo e em Cabinda.
No século XV o seu primitivo reino era conhecido por Ngoyo. As máscaras deste povo são de madeira, pintadas de cores intensas, por vezes sobre um fundo branco, outras vezes decoradas com objectos sagrados -nkissi -, e têm significados simbólicos; são máscaras rituais por vezes usadas nos cerimoniais Ndunga. Esta máscara, oriunda de artesãos angolanos de Cabinda, têm um aspecto pouco pacífico, mostra uma boca com dentes pequenos e afiados, resultantes do costume dos Woyo e do Congo limarem os dentes. O seu expressionismo convida-nos a nela ver-mos tudo.

A que faz parte da minha colecção foi-me oferecida por Konstatin Komkov, amigo e credenciado jornalista russo de todo-o-terreno, que viveu cerca de dois anos em Angola.



Entretanto, o feiticeiro manda abrir um buraco na terra para enterrar a galinha e, ao lado, uma cova para enterrar vivo - sim, disse vivo -, o culpado, se entretanto não se acusar antes dos «coveiros» terminarem o trabalho.
Um silêncio tenebroso apodera-se dos presentes e só se ouve o som das enxadas a castigar a terra, a castigar a alma. De repente, um moço dá um passo em frente e acusa-se: «foi eu patrão».
O chefe da policia cochicha-me ao ouvido: «a máscara é poderosa, tem o poder dos espíritos, eu não lhe disse».


Mais tarde aproximo-me do feiticeiro, apresento-me, gabo-lhe a eficácia da sua psicologia e, com muito cuidado e sem querer ferir sugestibilidades, pergunto-lhe de onde provêm a sua máscara.
«A máscara? Comprei na internet, quer uma? quer o site?».




 


quinta-feira, 10 de maio de 2012



Esperanza Spalding


Esperanza Spalding é norte-americana e tem 26 anos. Já passou, pelo menos, duas vezes por Portugal. Fui ao seu concerto no Coliseu de Lisboa e fiquei deslumbrado com esta contrabaixista de excepção e dona de uma voz doce e ponderosa. É viciante, garanto-vos!  





Jane Birkin



A encantadora Jane Birkin é a tal “menina” que parece sempre destinada a ser lembrada pelo famoso “Je T’aime Moi non Plus” um dueto notoriamente erótico  com Serge Gainsbourg, o grande amor da sua vida. Vivia-se a “ressaca” de glamour do Maio de 68.


Esta conotação é mais do que injusta e a prová-lo, aconselho, entre outros, o álbum “Arabesque”. Um álbum intimista mas com uma força notável. Acompanhada por músicos argelinos, Jane, pega nas canções de Gainsbourg e embeleza-as, com uma mistura fina de ritmos e harmonias africanas. O violino de Djamel Benyelles (enorme músico) mexe com as nossas emoções mais intrínsecas.

Pegar nas canções de um “monstro” da criatividade é uma poderosa experiência que muitas vezes pode dar errado. Assisti ao concerto no auditório da CGD e garanto que o resultado é sublime.




África Express Presents...

África Express, é uma coleção de música africana em associação com músicos ocidentais: Bjork, Franz Ferdinand, Elvis Costello, Massive Attack, Brown VV, Fatboy Slim e Damon Albarn, tocada por alguns dos artistas mais interessante músicos do continente africano.
Logo na primeira faixa encontramos o J’taime (sex machine), uma autentica bomba musical, interpretada pelos Staff Benda Bilili, irrequieta banda de paraplégicos, que há dois anos levou o publico ao rubro no festival “Músicas do Mundo”, em Sines.
A propósito, Damon Albarn disse: “Quando estamos em África esta música sai do chão. É inevitável, está em toda a parte, e as pessoas são muito generosas em partilhá-la, têm orgulho nisso”.


Hindi Zahra


Hindi, nasceu em Marrocos em 1979 e radicou-se em França desde 1993. A sua música é uma mistura de jazz, ritmos africanos, reggae e muita alma. A música da Hindi é o que críticos anglo-saxónicos gostam de catalogar de “World music”. Ela canta em inglês, francês e berbere, tem uma voz forte e sensual. “Handmade” é o seu primeiro álbum e é uma extravagância. Ouvia-a ao vivo no MusicBox e confirma-se: a rapariga encanta! Muito bom, muito bom... 
O You Tube está cheio de apresentações ao vivo e acústicas fabulosas. A não perder!




Em Sines, o FMM - Festival “Músicas do Mundo” já tem datas marcadas:
19,20 e 21 de Julho
26,27 e 28 de Julho
fmm.com.pt  A não perder!


terça-feira, 8 de maio de 2012

“Tassili” o novo álbum dos TINARIWEN é simplesmente FABULOSO!







Por Manolo


No sudeste da Argélia, existe um vasto planalto chamado Tassili N’Ajjer. É perto da fronteira com a Líbia e abrange cerca de 45.000 quilómetros quadrados. Na falda sul do planalto fica situada uma pequena cidade chamada Djanet e foi aí, no deserto rochoso, numa tenda, perto deste lugar que os TINARIWEN gravaram o seu quinto álbum.Inicialmente o grupo queria gravar o disco no norte do Mali, mas a situação de conflito inviabilizou este objectivo.



O novo álbum dos TINARIWEN atravessa, de novo, emoções complexas sobre o povo Tamashek. Desde o primeiro álbum que este grupo musical genuinamente Touareg aborda com coragem temas relacionados com a vida do seu povo, contra grupos extremistas, religiosos fundamentalistas e outros interesses que não deixam a paz “beber” o chá da amizade, na região.



“Amigo, o que tens a dizer sobre estes tempos de sofrimento que estamos a viver?”. A música dos TINARIWEN chora as pessoas que são obrigadas a desistir da vida nômada do deserto. Todas estas emoções atravessam o novo álbum. Um álbum acústico, apoiado pelo jogo rítmico de pequeno tambores e palmas.  




Para este álbum, os TINARIWEN convidaram alguns amigos. Nels Cline, o prodigioso guitarrista de Los Angeles contribui com a sua guitarra no ambiente de abertura “Imidiwan ma Tennam” . Dois membros dos Dirty Dozen (New Orleans) adicionam ao tema “Ya Messinagt” um peculiar e áspera textura sonora. Kyp Malone e Tunde Adebimpe, dos “TV on Radio”, banda avant-garde de indie-rock, formada em Nova Iorque, em 2002, deslocaram-se ao local da gravação no deserto e deram o seu contributo, acrescentando as suas vozes e algumas harmonias subtis.



A participação destes músicos neste disco parece estranho, no entanto, é uma demonstração de confiança que a banda tem na integridade e singularidade do seu som, e também um reflexo da boa aceitação que esta banda Touareg teve nos Estados Unidos, onde recentemente terminou uma digressão.



TINARIWEN é uma banda que nasceu, vive e canta o deserto. “Tassili” é um álbum fabuloso! Oiça e deixe aqui a sua opinião.  Recomenda-se.

www.tinariwen.com